Uma peça de
amor.
Um anjo da guarda
estava entediado com seu protegido que vivia uma vida sem desafios
que precisassem de proteção. Então ele decidiu subir aos céus e
ouvir as orquestras angelicais de liras e harpas do paraíso.
Enquanto assistia
a orquestra sobre uma nuvem viu aproximar-se dele um cupido.
-Um anjo da
guarda no céu? Estás desempregado? –Perguntou o cupido.
-Entediado meu
caro. Entediado! Não tenho tido emoções protegendo na Terra, mas
infelizmente o Paraíso também está monótono. O tédio irrita
minha eternidade.
-Certo. Imagino
como seja ruim. Contarei uma história de humanos para te distrair.
Topas?
-Claro. Já me
enjoei também das calmas músicas do céu. Conte-me tal história a
me alegrar.
Então o bom
cupido iniciou sua história:
Existia na
Terra uma mulher mais linda que os anjos. Ela estava em seu
solilóquio costumeiro, olhava-se no espelho, arrumava um pouco o
cabelo, revia a maquiagem. As vestes não eram de uma indumentária
mais ornamentada que o normal, era um vestido leve e um chapéu.
Revia e relia as falas. Entraria no palco. Era uma atriz.
Devagar ela
entrou no palco, que tinha um cenário com cores azul e coral. Entrou
com um pequeno cachorro que contracenava com ela. Brincava com o
animal. Corria, via o horizonte da plateia e amava a vida. Sem que
percebesse estava pisando em areias de praia, e via a água do mar
que era o espelho das cores azul e coral do céu de fim de tarde.
Logo um homem
aproximou-se e brincou com seu cão. Ela sentia o vento beijar seu
rosto com sopros fortes. O vestido queria despir-se sendo impedido
pela mão em um movimento desengonçado dela. Ria da cena.
-Está
ventando forte hoje. –Dizia o homem sorrindo com os cabelos
dançando no bailar do vento forte.
-Sempre venta
forte a beira mar. –Ela respondia ainda nos movimentos de proteger
o chapéu e o vestido da força do vento.
-Não como
hoje. Hoje o vento está mais forte e frio, mas a água está morna.
Coloque os pés na água.
Ela então
caminhou ao seu lado e colocou os pés ao fim da onda. A água estava
um pouco morna. Mas calma! Era água de verdade. Na Peça a água era
um papel crepom qualquer, ali não, a água era real, o mar era real.
Ela se perguntava se ainda estava na peça encenando ou estava na
vida real. Ficou preocupada.
O homem ria e
brincava com a água morna molhando-a e ela, sem saber, estava sendo
conquistada por aquele mancebo. Sem que ela notasse, eu, anjo cupido,
disparei uma certeira flecha do amor nela, ela estava se apaixonando.
Então ao
fitar dos olhos brilhantes dos dois um beijo aconteceu. Um beijo
longo e quente. Após o beijo ela se desesperou, na vida real ela
tinha um amor já. Era muito bem casada, não podia estar fazendo
aquilo, mas aquela não era a vida real, era uma peça, ou não? Ela
já não sabia. A bela atriz subiu no palco para
interpretar um papel, mas sem perceber parecia que o papel era mesmo
a vida dela. Tudo era confuso.
O homem
insistiu mais por seus beijos e confusa como estava, sem saber o que
fazer se deixou levar pela emoção. Entregou a ele seu corpo em
volúpia. Atiçou-o como uma meretriz e amou-o
como uma santa, fez da água morna fogo que não queima, mas que
aquece. Embriagaram-se um do outro em orgasmos de paixão. Era um
amor sem razão de ser. E assim é o amor, ele simplesmente acontece,
não precisa de um porquê.
Por que aquele
homem causava isso nela, se ela já tinha a quem amar?
Acho que ela estava querendo fugir do tédio, como você anjo da
guarda! No fim das contas, a rotina é o veneno as
tradições.
Não sabe-se
ao certo se foi por tédio, mas o fato é que ela amou aquele homem
da praia e as cortinas se fecharam. A peça acabou. Era hora de
voltar à realidade.
Poucos
assistiram, praticamente ninguém, mas os que viram bateram palmas de
pé gritando “Bravo! Bravíssimo”. A peça de fato acabou.
Em seu
casamento ela não era infeliz, mas não vivia o que viveu com o
homem da praia. Lamentou-se da vida real ser menos emocionante do que
a peça. Pensou que às vezes é melhor fazer da vida uma peça, e da
peça uma vida.
-Pelos mestres
arcanjos! Que Bela história camarada cupido. Obrigado por me
distrair. Agora tenho que voltar ao meu protegido.
-Por nada Anjo da
guarda. Leve isto contigo e abra na terra, é um presente. – O
cupido entregou-lhe então um envelope de carta.
O anjo da guarda
desceu menos entediado a Terra e observou sua protegida muito
pensativa olhando o nada pela janela, um pouco melancólica e
sombria. Decidiu invadir seus pensamentos e lá viu que ela pensava
em um homem na praia. Percebeu então que ela estava com uma flecha
do cupido fincada no peito.
Esbravejou
irritado em pensamento. “Maldito cupido! A história que contava
era da minha protegida. Cravou a flecha em seu peito enquanto eu
estava no céu me distraindo.”
Ainda irritado,
abriu o envelope da carta do cupido e leu:
“É quando
estamos com a guarda distraída que um novo amor nos invade.”
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